sexta-feira, 10 de fevereiro de 2012

APNEIA

Durante o período que Angelo esteve hospitalizado tive que me adaptar com os novos termos que recheavam o meu dia a dia dentro da UTI neonatal, uma delas era a tal APNEIA.
As médicas, acostumadas com seus termos técnicos esperavam que "obviamente" entendêssemos tudo o que elas nos diziam, não tinham o hábito de explicar seus diagnósticos detalhadamente.
Eu procurava prestar atenção quando elas conversavam entre si ou com as enfermeiras para poder entender um pouco sobre aquele universo. Fiz amizade com as técnicas, com as enfermeiras até que um certo ponto elas se acostumaram com a minha presença e já não escolhiam as palavras perto de mim.


Assim que meu Angelo chegou a UTI, depois do parto, foi introduzido um cateter nasal nas narinas do meu pequeno. Na verdade era uma fina sonda conectada a uma extensão de borracha ligada a uma válvula de oxigenio na parede.  Na outra extremidade da sonda, havia um pequeno furo, esta parte era introduzida na narina do bebê e tinha a função de facilitar a entrada de oxigênio nas vias respiratórias e proporcionar uma qualidade maior na oxigenação do recém-nascido com dificuldade respiratória causadas pelas apneias.


Praticamente todos os bebês da neonatal passavam por esse processo, os que não estavam nesta situação já haviam passado por ela. Afinal os prematuros fazem apneia comumente, pois seus pulmões ainda imaturos não se acostumaram em desempenhar sozinhos  o papel de oxigenar a criança que antes recebia tudo através de sua genitora. E meu pequeno-grande Angelo Gabriel também era um prematuro de 36 semanas.

As apneias eram, a grosso modo, uma pausa respiratória que duravam de 5 a 30 segundos em media. Era comum bebes terem essas pausas pois sua respiração ao nascerem sao muito irregular, porque estao ainda em fase de adaptação.

Quando Anjo fez a cirurgia de colocação da válvula (por causa da hidrocefalia), o prognostico de alta era logo que cicatrizasse a sutura e que fosse verificado o bom desempenho da válvula, juntamente com extinção do quadro de apneias, ou o chamado "desmame" da oxigenoterapia.
Eu não via a hora de isso acontecer. Era agonizante ve-lo cheio de sondas pelo corpo. Uma na veia a chamada "dissecção", outra na boca pra se alimentar e outra no nariz para respirar.


Por vezes eu cheguei la e ele espirrava sem parar por causa do incomodo da sonda mal posta no nariz, isto quando não escorria sangue pelo seu buço e manchava seu "bigode" (fita de micropolio colocada sobre o bulso para segurar a sonda oral).
Aquilo me doía absurdamente (imagina nele!), chamava as técnicas de enfermagem a enfermeira, e me olhavam com deboche, diziam que iam faze-lo e me ignoravam. E eu nada podia fazer por meu pequeno ali dentro daquela encubadora que mais me parecia uma jaula.
Enfim a cirurgia da válvula estava marcada, seria no 20º dia de internação de Biel. Então eu perguntava às pediatras e elas me diziam que em uma semana ou 10 dias no máximo se tudo corresse bem estaríamos em casa.

Corri feliz para casa, montamos o berço (aliás o pai montou...o sonho de todo pai é montar o berço do filho que devo lembrar que foi um presente carinhoso e oportuno de meus amados amigos), lavei as roupinhas, fraldas, tudo estava pronto para recebê-lo.

Anjo ficaria livre de sua aparente "dor de cabeça" causada pela hidrocefalia e do desconforto do cateter nasal que usava por causa das apneias. Afinal as  médicas acreditavam que as tais apneias  eram consequência do aumento da pressão intra-craniana em decorrência da hidrocefalia estar acentuada e deste modo comprimindo o sistema respiratório, e com a cirurgia isso seria corrigido conforme a pressão fosse sendo controlada.
Um dia antes da cirurgia porém, logo que entrei na UTI a pediatra me chamou para alertar do estado de saúde que se encontrava meu filho. Acompanhando-me até a incubadora me mostrou que sua oxigenação mesmo estando no CPAP (equipamento que induz ao movimento respiratório) usando oxigenio direto não passava de 85 a 88% (uma criança saudável satura no mínimo 95%) e ainda fazia quedas frequentes chegando a menos de 40%, deixando-o cianótico (efeito de roxeamento dos lábios, unhas e em volta dos olhos e "azulamento" da pele causado pela hemoglobina não oxidada)  demonstrando uma maior fragilidade de seu sistema respiratório o que poderia prejudicar o desempenho da cirurgia e levar meu bebê a morte. 
Olhando-me seriamente disse que isso não era bom e pediu para que eu me preparasse pro pior e que aproveitasse cada momento pois poderiam ser os ultimos.
Eu perdi a fala. Perdi o sentido, perdi o chão!


Observei  meu pequeno na encubadora e me recusava a aceitar que poderia ser meu ultimo dia a seu lado. Me recusava a aceitar que mal pude te-lo em meus braços e ele poderia ser levado de mim assim... tão facilmente.
A primeira vez que tive meu filho em meus braços:
 15 dias após seu nascimento

Tentei manter a compostura e ficar la ao lado dele como uma mãe deve fazer ao lado de um filho. Mas era insuportável! corri para o banheiro e chorei! chorei o quanto pude e mais do que gostaria. Sai de la desolada, e fiquei numa área neutra da UTI onde ficavam os armários com as roupas das mães que ali dormiam e das técnicas em serviço.
As meninas (outras mães) estavam la reunidas como de costume naquele horario, e eu nao consegui segurar e desabei a chorar na frente delas com as quais eu nunca havia trocado se quer uma palavra. 
Todas muito solidárias me abraçaram me deram apoio, algumas contaram sua historia e me deram forças pra superar aquele momento e me encorajaram dizendo que tudo ia passar.
A mim não importava se o que a pediatra havia dito era verdade ou não, eu só sabia odiá-la por dizer em meias palavras que meu filho ia morrer (é claro que não era culpa dela, mas aquilo me soara como ofensa).
Enfim lavei o rosto, e consegui me controlar. Um pouco mais tarde era o horario de visita (uma hora do dia que me fazia muito feliz).
Como sempre eu esperava a visita dos meus sogros (que não perdiam um dia) e do meu esposo logo mais. 
Era o momento que eu me sentia acolhida e renovava minhas forças por saber que alguem mais se preocupava.
Entretanto naquele dia eu estava alheia a tudo. Quando meu sogro se aproximou e perguntou sobre o bebê antes que eu terminasse de repetir o que a médica havia me dito eu ja estava em lágrimas, transtornada.

Enfim a cirurgia aconteceu. Foi um sucesso! e toda a família enfim estava aliviada.

Angelo parecia bem. Foi transferido da encubadora para um berço no isolamento onde la eu ja podia dormir com ele. Aprendeu a usar a mamadeira e não precisava mais da sonda oral e por isso também não precisava mais da dissecção de veia para tomar medicamentos, pois agora podia tomar pela boca.
Contudo algo não dava sinais de melhora: A APNEIA.
Questionamentos foram levantados e as médicas se mexeram. Fizeram exames: tomografia, ressonância, eletrocefalograma, tudo o possível para identificar a razão das apneias.
Enfim o neurocirurgião juntamente com a neuropediatra deram seu parecer: Angelo sofria de APNEIA CENTRAL.

Para melhor compreensão enfim do que exatamente se trata as apneias, segue abaixo uma explicação simples retirada do site BRASIL ESCOLA.


A apneia é classificada em três tipos:

  1. Apneia Obstrutiva do Sono - ocorre quando o esforço respiratório é iniciado, mas o ar não chega a atingir os pulmões em virtude da obstrução da via aérea.
  2. Apneia Central - ocorre em resultado de uma disfunção do sistema nervoso central em gerar o devido estímulo para os músculos da caixa torácica, consequentemente não se iniciando o esforço respiratório.
  3. Apneia Mista - ocorre quando inicialmente não existe esforço inspiratório, mas quando o esforço é iniciado a apneia persiste em decorrência do colapso da via aérea.



Deste modo a cura das apneias do meu Angelo, seria um processo lento pois caberia unica e exclusivamente ao amadurecimento de seu cérebro .
Devido a síndrome de Dandy Walker, na qual meu pequeno é portador, a região do cérebro responsável pelo sistema respiratório (tronco cerebelar) foi mal formado e por isso desenvolveu falhas na sua função.
Fui portanto buscando meios de ajudar meu bebê. Afinal, conforme ele foi crescendo ele foi aprendendo a arrancar o cateter. Para então evitar que judiasse ainda mais dele recolocando o dito cujo em seu narizinho, prontifiquei-me a segurar a extensão condutora de oxigênio na frente do nariz dele, afinal eu passava o dia todo inútil observando meu filho sofrer naquela incubadora. E graças a Deus tivemos um bom resultado.

Biel e seu "cheirinho" como chamavamos a extensão
de oxigênio

Com o passar dos dias Anjo demonstrou resposta à nova forma de oxigenação: "oxigenoterapia a distância", onde não existe o processo invasivo na terapia. E quando seu caso se agravava ele era colocado no HOOD (uma espécie de capacete que evita a dispersão do oxigenio) ou no cateter, e em caso mais grave CPAP.
Hood disposto sobre a cabeça do bebê centralizando a oxigenação

ilustração sobre a funcionalidade do CPAP neonatal

CPAP neonatal disposto ao lado da encubadora para terapia

Hoje, meu pequeno tem 2 anos e 4 meses e ainda faz apneias. Por esta razão se encontra no home care (uti domiciliar). Entretanto somos otimistas a acreditar que em breve ele não mais precisará deste cuidado, tão pouco do oxigênio. 
Digo isto pois quando saímos do hospital neste regime, Biel usava oxigenio em tempo integral por cateter nasal (pois saiu do hospital com um quadro de pneumonia o que o fez retornar par ao cateter), agora somente usa enquanto dorme (até porque quero ver conseguir faze-lo ficar queto na frente do oxigênio .. kkk, está espoleta que só vendo!); o uso do oxigênio era um cilindro grande a cada 3 ou 4 dias, enquanto ele usava de 1L a 2L por minuto, agora utilizamos um cilindro a cada 30 ou 40 dias e em casos mais graves como num quadro de gripe, um cilindro a cada 15 ou 20 dias; antes era necessário uma massagem intensa em seu diafragma para estimular seu movimento respiratório quando entrava em crise de apneia, hoje fazemos uma leve coceirinha em sua barriga, ou lhe tiramos a chupeta da boca e logo ele reage voltando a respirar; antes suas crises lhe causavam cianose, duravam em torno de 30 segundos cada, faziam-no perder a consciência, agora o máximo é que o deixam irritados e lhe causa um choro por ter sua respiração interrompida.



Concluindo: se você é uma mãe ou pai que tem um filho que apresentam sintomas de "azulamento" da pele, roxeamento dos lábios, olhos e unhas...ou que "ressona" enquanto dorme: CUIDADO! podem ser sintomas de apneia, basta identificar qual tipo ele tem.
A maioria dos brasileiros hoje são acometidos por esse problema, principalmente pela apneia obstrutiva do sono, esta que causa o ronco, e a sensação de cansaço no dia seguinte mesmo após uma longa noite de sono.
Fora isso, qualquer dúvida: pesquisem, sejam curiosos, questionem seus médicos, não aceitem tudo o que o dizem. Façam o que pode, porque ninguém mais se importa com o seu filho tanto quanto você!